Conversas inacabadas

15 novembro 2006

Ela(II) - Capítulo 3 - "Um momento Inesquecível"


Mischa Askenazy (1888-1961) - From my window

Apesar da promessa de ser apenas um momento sem nada esperar…sem nada pedir…deixaram-se levar em vários momentos…como numa dança lenta que marcava o compasso das almas…Tantas vezes se encontraram em segredo e se deixaram entregues a longos abraços de amor, carinho e amizade em cenários improvisados de paixão.

No final de um dos muitos dias vividos em segredo, ”ela” levou-a à estação de comboios despedindo-se com a pressa de quem chegou tarde e perdeu a hora da partida. A correr para conseguir entrar na primeira carruagem do comboio, ouviu um sonoro “Amo-te” a ecoar na estação… Nem queria acreditar…Olhou para trás... e “ela” corria também… Ao entrar na carruagem o comboio iniciou a sua marcha lenta… ”ela” acompanhou até conseguir e, até a vista o permitir, trocaram sonoras declarações e juras de amor… a alto e bom som…(perante os olhares incrédulos dos passageiros mais próximos)… há certas loucuras que despertam sorrisos indescritíveis, daqueles que nos deixam uma dor aguda nos músculos da face, de tão intensos.

Viveram este e outros segredos durante anos… e os sentimentos, por vezes perdidos por não ter ninguém a quem pudesse (verdadeiramente) chamar “seu”… eram, sempre que possível, compensados com o sorriso sereno “dela” e com um longo abraço apertado que tudo fazia esquecer … e entregava-se quantas vezes “ela” a quisesse.

Mas o “sempre que possível” deixou de ser suficiente. E a solidão era muitas vezes mais forte e derrubava todas as esperanças. O amor entre ambas, não tinha espaço, apenas acontecia no tempo e o segredo que, de princípio, alimentou o desejo começou a sufocar…E a lenta espera começou a queimar os sonhos… E o jogo de escondidas arrastava pesares e sentimentos que em nada se conciliavam com a pureza que existe no amor.

O tempo fez o resto… a consciência venceu. Afastaram-se e seguiram vidas separadas, com a distância de segurança que se impunha necessária… A referência a “Um momento inesquecível” numa dedicatória escrita por “ela” num livro oferecido foi o que restou desta história…feita de sentires e silêncios que sufocam…

Nina

10 novembro 2006

Ela (II) – Capítulo 2 - Fragmentos de vida


Nú feminino (parcial) - Gustave Courbet (1818-1877)

O segredo potenciou a cumplicidade entre as duas amigas…e, tantas vezes, se contentaram com a linguagem dos olhares…tantos foram os encontros controlados…numa forma gentil de se enganarem os anseios…tantos, que ambas teriam já a falsa percepção de que teriam conseguido enganar o desejo…tentando ignorá-lo…tentando distraí-lo. Como se tivessem encontrado a fórmula para desviar a paixão…sem desviar o seu objecto…

O facto de viverem em cidades distantes controlava, de certa forma, aquilo que ambas sabiam ser o destino. Até ao dia, em que numa visita à capital, por questões profissionais, “ela” pediu que a amiga a fosse levar ao hotel…pedindo que subisse e aguardasse enquanto se acomodava. Como se fosse possível, conter palavras quando se tem tanto para confessar…Como se fosse imaginável, ficar imóvel quando todo o corpo ferve por dentro…quando falta o ar…e em torno do pensamento pairam as letras d-e-s-e-j-o. “Não é possível…tu não ajudas…e eu…nem sei se quero que ajudes…”

E, nesse instante, despiram-se de preconceitos, de vaidades e, delicadamente, entregaram a vida nas mãos uma da outra…conscientes dos vários riscos que corriam…certas que seria só um momento e que esse seria bastante para sofrer uma imensidão de tempo…

No dia seguinte, ambas tinham compromissos de trabalho durante a manhã e separaram-se. Todos os minutos contados, cronometrados, pareceram eternidades…
O reencontro, ainda que, muito limitado no tempo, tinha sido uma promessa…um almoço…e depois, cada uma seguiria a sua vida…e tentaria esquecer o que se tinha passado. Saiu a correr do local de trabalho, numa das avenidas nobres da cidade e olhou para todos os lados, tentando perceber ansiosa, se “ela” já estaria no local combinado…Por momentos, pensou que “ela” não viria…que o arrependimento teria vencido. Quando se percebeu observada, olhou para trás…virou-se e avistou-a… Contemplou aquela calma que a caracterizava, aquela postura de quem tudo controla, lá estava “ela”... linda…com uma rosa vermelha na mão. Então as lágrimas misturaram-se com sorrisos…como uma criança perdida que acaba de encontrar orientação…pela primeira vez na vida conhecia o que significa “chorar de alegria”, sem ter defesas e sem querer tê-las…e desejaria que aquele momento nunca terminasse.
“O teu cheiro teima em acompanhar-me e desconcentrar-me de tudo o que tenho para fazer. Como posso trabalhar assim contigo na minha mão e no meu corpo?...” – segredou-lhe num longo abraço…

09 novembro 2006

Ela (II) – Capítulo 1 - De alma vendada


René Magritte - La magie noire (1935)


A paixão entre as duas teve início numa troca de olhares…Num momento em que a vida de ambas estava absolutamente distraída…Numa época em que a vida reservou-se o direito de as levar a passear por caminhos labirínticos distintos…E nesse cenário, quanto mais ansiavam por uma solução de saída…um escape…mais andavam às voltas, às cegas, deparando-se com obstáculos e outros corpos que nada mais são do que isso mesmo… Naquele tempo, as duas almas, de tão distantes, não poderiam cruzar-se... nem deveriam…

Tinham convivido em tantas ocasiões que poderiam apelidar-se de “amigas”…sem nunca se ter despertado qualquer sentimento…até ao dia em que, de forma inesperada e sem qualquer intenção…uma troca de olhares baralhou todas as verdades que se julgavam bastantes e absolutas.
“Nunca tinha dado conta como o teu toque, na minha pele, queima…Por favor ajuda-me e desculpa-me!”

Um compromisso duradouro impedia que “ela” enfrentasse o que sentia desde aquela troca de olhares…Tantas vezes se questionava sobre o que seria aquele estranho sentir…como um vício, por vezes incómodo, de que se queria libertar mas sem o qual já nem se imaginava viver…

Do outro lado, a responsabilidade de uma dupla traição controlou em vários momentos…o que poderia ter sido uma tempestade de emoções. A consciência impõe-nos limites que tantas e tantas vezes o corpo não compreende e teima em não querer respeitar…