Ela (II) – Capítulo 2 - Fragmentos de vida
Nú feminino (parcial) - Gustave Courbet (1818-1877)
O segredo potenciou a cumplicidade entre as duas amigas…e, tantas vezes, se contentaram com a linguagem dos olhares…tantos foram os encontros controlados…numa forma gentil de se enganarem os anseios…tantos, que ambas teriam já a falsa percepção de que teriam conseguido enganar o desejo…tentando ignorá-lo…tentando distraí-lo. Como se tivessem encontrado a fórmula para desviar a paixão…sem desviar o seu objecto…
O facto de viverem em cidades distantes controlava, de certa forma, aquilo que ambas sabiam ser o destino. Até ao dia, em que numa visita à capital, por questões profissionais, “ela” pediu que a amiga a fosse levar ao hotel…pedindo que subisse e aguardasse enquanto se acomodava. Como se fosse possível, conter palavras quando se tem tanto para confessar…Como se fosse imaginável, ficar imóvel quando todo o corpo ferve por dentro…quando falta o ar…e em torno do pensamento pairam as letras d-e-s-e-j-o. “Não é possível…tu não ajudas…e eu…nem sei se quero que ajudes…”
E, nesse instante, despiram-se de preconceitos, de vaidades e, delicadamente, entregaram a vida nas mãos uma da outra…conscientes dos vários riscos que corriam…certas que seria só um momento e que esse seria bastante para sofrer uma imensidão de tempo…
No dia seguinte, ambas tinham compromissos de trabalho durante a manhã e separaram-se. Todos os minutos contados, cronometrados, pareceram eternidades…
O reencontro, ainda que, muito limitado no tempo, tinha sido uma promessa…um almoço…e depois, cada uma seguiria a sua vida…e tentaria esquecer o que se tinha passado. Saiu a correr do local de trabalho, numa das avenidas nobres da cidade e olhou para todos os lados, tentando perceber ansiosa, se “ela” já estaria no local combinado…Por momentos, pensou que “ela” não viria…que o arrependimento teria vencido. Quando se percebeu observada, olhou para trás…virou-se e avistou-a… Contemplou aquela calma que a caracterizava, aquela postura de quem tudo controla, lá estava “ela”... linda…com uma rosa vermelha na mão. Então as lágrimas misturaram-se com sorrisos…como uma criança perdida que acaba de encontrar orientação…pela primeira vez na vida conhecia o que significa “chorar de alegria”, sem ter defesas e sem querer tê-las…e desejaria que aquele momento nunca terminasse.
“O teu cheiro teima em acompanhar-me e desconcentrar-me de tudo o que tenho para fazer. Como posso trabalhar assim contigo na minha mão e no meu corpo?...” – segredou-lhe num longo abraço…
5 Comments:
At 5:35 da tarde, Anónimo said…
É bom ler que existes também "num lugar só teu", "sem ter defesas que te façam falhar...
nesse lugar mais dentro...
onde só chega quem não tem medo de naufragar!"
At 11:27 da manhã, Unknown said…
Gosto dos "fragmentos" destas vidas!
At 11:05 da manhã, Anónimo said…
Uau!!Brilhante, é arrepiante a forma como descreves os sentimentos, as situações...é tudo tão real...é tudo tão pessoal e ao mesmo tempo parece a história de todas nós, pelo menos a minha não foi assim tão diferente (falo de sentimentos, porque a situação vai variando,m...)
Obrigada pelo o Blog é Excelente
At 12:00 da manhã, Conversas inacabadas... said…
b. - Ainda que exista (também) "num lugar só meu", sabes sempre onde me podes encontrar. Assim como eu a ti (espero);). Beijos, muitos.
ar - E eu...gosto que gostes deles. Posso dizer que também adoro os "fragmentos de vida" que, generosamente, partilhas. Obrigada pela visita. Beijinhos.
Sra. S.S. - Sê bem vinda. Obrigada pelo ânimo que me transmite o teu comentário. Quanto ao cruzamento com outras histórias de vida, apenas te posso dizer que o amor fala-se numa linguagem universal...fácil de compreender e assimilar por quem está acordado para a vida. Beijinhos. Obrigada pelo visita e comentário.
At 9:40 da tarde, g said…
Há sempre um dia em que a barreira cai e somos nós para sempre
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